sábado, janeiro 3

A sala de aula

Numa tertúlia de professores, um daqueles momentos em que se aproveita o colectivo para dizer mal de tudo e de todos, independentemente do ministro e do governo, das políticas ou das opções ideológicas ou pedagógicas, um colega, perante a constatação que este governo adiou quase tudo sem ter decidido nada, referiu que perante a desorientação geral o professor prefere o conforto e a segurança da sua sala de aula. É um regresso à sala de aula, espaço privilegiado da individualização do ensino, do quasí segredo das opções pedagógicas, metodológicas, das estratégias e das negociações com a turma.
É um espaço em que, por muito que chova ou faça sol lá fora, independentemente dos ruídos ou da poeira exterior, o professor se refugia. Porta fechada, segurança instalada. Venham lá modas ou receitas, sejam pedagógicas ou técnicas, venham lá vozes ou gritarias, aqui impera a minha democracia, aquela em que eu mando, aquela em que a lei é a do mais velho ou do mais graduado (nem sempre é o mais forte).
Bem vistas as coisas é um facto. Não há reforma que resista se não mexer na organização dos espaços e dos tempos lectivos, no modo organizacional da escola (tempos lectivos, trabalho docente e discente). Ao adiar a implementação da revisão curricular do ensino secundário, sem contrapor qualquer outra medida, mais não se fez que apelar ao regresso à sala de aula. Ao exigir o aproveitamento dos alunos em escolaridade básica obrigatória e com a introdução de novas áreas curriculares sem existir uma clarificação dos seus objectivos e das suas funções, nomeadamente nas áreas de projecto, estudo acompanhado, formação cívica, definem-se metodologias de disciplinarizar essas áreas que eram curriculares e que os alunos (e os professores) tratam como disciplinas.
O regresso à sala de aula é também o regresso às atitudes mais bafientas de uma direita que venera as funções básicas da escola - ensinar a ler, escrever e contar e preparar para o mundo do trabalho industrial e acéfalo - e omite os desafios do conhecimento, da informação, do debate de ideias, da capacidade crítica, da defesa de um sentido estético da sociedade, da defesa de uma deontologia humana e pessoal. Ainda que este discurso se possa, de quando-em-quando, revestir de uma nova roupagem, com acesso à figura das TIC, da Internet.
Em princípio de século é esta a escola que este governo está a construir. Uma escola assente na defesa de valores e princípios que já nos inícios do século XX muitos, em Portugal, contestavam.